segunda-feira, 10 de junho de 2013

Com referência de elementos sonoros dos anos 1970 e 1980 Daft Punk apresenta crítica ao cenário musical, e propõe "humanização" da música eletrônica.


Por Tiago Florentino 

“Random Access Memories" é uma crítica ao cenário eletrônico atual, feita de maneira graciosa e inovadora. Sem ataques gratuitos ou entrevistas polêmicas, Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter pedem pela humanização da música misturando instrumentos reais a sintetizadores para construir uma aura retrô e ao mesmo tempo futuristas. Em 13 faixas propõem uma revisão, inspirada nos anos 1970 e 1980, da era robotizada.

A intenção dos “robôs” fica clara logo na primeira faixa do álbum “Get life back to the music” que ironicamente pede a humanização da música eletrônica e a diminuição de barulhos com a sonoridade orgânica, que é a tônica de todo o álbum, a guitarra marcante de Nile Rodgers (Madonna e David Bowie), é o principal elemento. Com isso, no entanto, não significa que o eletrônico não está presente. Ele está, mas unindo o talento de músicos e cantores. Desde a pré-produção do disco, essa preocupação com uma sonoridade mais humana se fez presente.


“Get Lucky” brilha, mas por motivos referentes à Chic e Nile Rodgers. Se você curtiu, vá ouvir os álbuns “Chic Cheer”, do Chic, “Diana”, de Diana Ross, e “We Are Family”, de Sister Sledge. São as matrizes dessa sonoridade. “Get Lucky” já pode se candidatar a esse time de clássicos. O destaque mais dançante fica para a faixa "Lose Yourself to Dance", com a participação dos vocais de Pharell Williams e do baterista de Michael Jackson em "Off The Wall" John Robinson.

Épica, “Giorgio By Moroder” é incrivelmente cinematográfica e traz a voz do próprio Giorgio Moroder um dos pioneiros da música eletrônica, é tudo o que promete a parceria estelar. A música de diversas partes funciona como uma história e não um exercício aleatório. O teclado principal, que vem logo no começo, tem levada de trance. E isso faz sentido, já que esse subgênero eletrônico é descendente direto do pulso arpejado de “I Feel Love”. A bateria no fim, solta, repicada, ultra-groovada, é um sério argumento em favor da volta da batida “orgânica” na dance music.
Ironias da passagem do tempo. Quando Moroder teve a sacada de fazer disco eletrônica em “I Feel Love”, para soar como musica do futuro, fez todo o sentido no presente. Por mais inovadora e revolucionária que fosse “I Feel Love” não causou estranhamento, foi sucesso mundial. Seu pulso metronômico serviu com precisão às necessidades da disco music. Nos anos 70, a disco era justamente vista como o oposto da música “de verdade”. Era tachada de sem raiz, robotizada, artificial e fria. O Kraftwerk ainda abria espaço para um olhar crítico com relação à mecanização da sociedade.

Hoje, smartphone na mão e em breve, Google Glass todo mundo já anda por aí meio cyborg, meio robô. Aparelhos viraram extensões do corpo e da mente. Por quanto tempo você aguenta ficar sem internet? Bleeps e pings nos acompanham da primeira à última hora. Nossas vidas estão digitalizadas.

Em Random Access Memories, o robótico de ontem virou o humanizado de hoje. O futurismo virou nostalgia e o que era inovador é reinventado como tática de reação conservadora.

São as contradições do disco, sim, mas é também o segredo de seu charme.

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